Análise sobre o filme Extraordinário

Filme: Extraordinário
Por: Sergio Vaz Alkmim, professor de História da Funec Cruzeiro do Sul e E.M. Maria do Amparo

Ficha técnica
Nome: Extraordinário
Nome Original: Wonder
Cor filmagem: Colorida
Origem: EUA
Ano de produção: 2017
Gênero: Drama
Duração: 113 min
Classificação: Livre
Direção: Stephen Chbosky
Elenco: Jacob Tremblay, Julia Roberts, Sonia Braga, Owen Wilson

O filme Extraordinário é um bom filme para se trabalhar várias questões que atravessam os muros de nossas escolas. A escola tem que ser, necessariamente, o local da diversidade, da inclusão, do direito e das ações humanistas. Em nosso caso, sem esses requisitos, a educação não é pública e muito menos de todas e todos. É a partir dessas perspectivas que o filme torna-se interessante e rico em abordagens para exibirmos na escola. A trama principal ocorre no interior de uma escola e aborda as relações familiares, em que pese a realidade americana.

É um pacote fértil para debatermos nossa própria realidade. O personagem principal Auggie (Jacob Tremblay), de 10 anos de idade, nasce com uma grave deficiência craniofacial genética, passa por várias cirurgias em seu rosto e provoca nas pessoas as mais diversas reações discriminatórias. Recebe educação em casa e a família decide que é o momento de sair do isolamento social e conviver em sociedade, fundamento principal da condição humana. Sobre isso, a filosofa Dulce Critelli nos diz que, “O nosso nascimento é o começo dessa história; por meio dele somos lançados num mundo com um corpo, um sexo, uma família, um nome, uma condição social, um país uma época.” Ela ainda nos alerta para o fundamental da vida: “Embora não possa ser tirada dos ombros de ninguém, a responsabilidade pela existência é sempre compartilhada. Não há gesto, pensamento, crença, sentimento, desejo que brote e cresça na solidão”. É disso que o filme trata, a hora da convivência social para Auggie e o palco é a escola local da convivência: dos conflitos, das amizades, dos preconceitos, das angústias e das alegrias.

A partir desse momento nosso personagem terá que enfrentar a sala de aula e todos os espaços da escola, como o pátio, que para ele é o pior lugar. Local importante de socialização, de brincadeiras, do correr livre, das amizades, das paixões, mas também o pátio pode ser cruel, carregado de preconceitos, discriminações, racismo e diversos tipos de violências. É assim que vai enfrentar a vida escolar, com as poucas amizades verdadeiras e os muitos preconceitos entre estudantes e seus familiares. A aparência de Auggie causa estranheza e repugnância e para muitos o simples contato seria capaz de transmitir, assim como um vírus, uma doença incurável. Nesse contexto, nosso personagem tem que enfrentar o primeiro dia de aula e construir sua vida social.

Muitas vezes, nossos estudantes espalhados pelas diversas escolas, passam por tudo isso, principalmente, se a escola não tiver um olhar inclusivo, um projeto político pedagógico em que todos (as) sejam considerados sujeitos dotados de direitos. Essa questão é, ainda nos dias de hoje, um grande desafio no ambiente escolar e na sociedade em geral. Assim como no filme, a escola, muitas vezes, reproduz as relações opressoras e excludentes construídas historicamente e socialmente no interior da sociedade, principalmente, se não adotarmos uma postura inclusiva e humanista. O filme Extraordinário nos provoca a pensar na possibilidade de construirmos uma outra sociedade, na qual “talvez possamos mudar nosso jeito de ver” o ser humano. Sem essa postura, nossos conteúdos são vazios, sem sentido e destinados ao esquecimento pelos próprios estudantes.

Além disso, o filme apresenta outras questões que aparecem de forma secundária, como o racismo, mas para a escola é de fundamental importância. Quantas meninas e meninos negros (as) sofrem o racismo de tantas consequências nefastas para suas vidas? Na escola, diversas vezes, o racismo se constitui a forma mais perversa na tentativa de diminuir e/ou destruir a humanidade das pessoas. Dois personagens negros do filme são centrais nesse debate, Summer, a amiga negra que sofre preconceito e Justin, o namorado negro de sua da irmã Olivia.

Um outro detalhe interessante do filme e também uma grata surpresa, foi o pequeno papel interpretado pela atriz brasileira Sônia Braga. Ela aparece em uma rápida cena, como avó dos irmãos, Auggie e Olivia (Izabela Vidovic), a única que percebe a solidão da irmã, relegada a um segundo plano na família, devido aos cuidados que Auggie requer. É ela que tem tempo e disponibilidade de oferecer amor e carinho que tanto a irmã esquecida sente falta. Vale lembrar que Sônia Braga atuou em filmes nacionais importantes e citando os mais recentes, Aquarius e Bacurau que retratam nossa realidade.

Foi quase inevitável lembrar de um grande filme de 1980 de muito sucesso. O Homem Elefante, do diretor David Lynch, resgata a vida de Joseph Merrick, que foi tratado, no final do século XIX, em plena era vitoriana, como uma aberração da natureza. Era atração dos circos ingleses que exploravam pessoas deficientes como monstros e aberrações. O filme tem uma fotografia em preto em branco e destaca além da medicina e hospitais, o mundo das fábricas, das máquinas, de um sistema capitalista decadente, de pessoas voltadas à exploração da fragilidade das pessoas. Nos mostra uma realidade tão cruel, que muitas vezes, temos a dificuldade de continuar a assistir. Um filme radicalmente humano que nos mostra, principalmente, a desumanidade dos indivíduos. Nada mais dramático que Merrick, encurralado pelas pessoas em uma estação de trem gritando desesperadamente: “Eu não sou um monstro, eu sou um ser humano, eu sou um homem”. Ao final, ao ser de certa forma acolhido, diz que é feliz e que vive uma vida plena a cada dia. A sensibilidade e humanidade de Joseph Merrick desloca nosso olhar e nos alerta que “as pessoas ficam assustadas pelo que não podem compreender”.

Coincidentemente ou não, nas cenas finais dos dois filmes, os protagonistas são aplaudidos de pé por todos e prevalece o reconhecimento do que eles são realmente: seres dotados de muita sensibilidade, emoção e humanidade. Cabe destacar que no caso do filme Extraordinário, a família tem um papel fundamental no processo de inclusão e socialização de Auggie. Ela está sempre ao seu lado, tanto nos momentos alegres como nos momentos mais difíceis. Por fim, ressaltamos que a escola é razão, mas também lugar da emoção. Ela tem que tocar o coração das pessoas e a exibição desses filmes, em atividades de Cineclube, nas aulas, em diversas atividades e projetos, têm papel fundamental para a formação humanista e de uma educação essencialmente inclusiva.
CRITELLI, Dulce. O sentido da vida e a história pessoal. Folha de S. Paulo, Caderno Equilíbrio, São Paulo, 21 de abril de 2005.
CRITELLI, Dulce. Independência ou interdependência? Caderno Equilíbrio, São Paulo, 09 de setembro de 2004.

Link do Filme
https://www.youtube.com/watch?v=pNsV3BaWS-o